sábado, 31 de outubro de 2009

Será que estou no "Show de Truman"?


Tenho a sensação que estou vivendo numa maquete ou cenário, com gente fake por todos os lados. Esse povo europeu tropical é muito estranho, salvo exceções. Tudo é meio artificial, das relações ao modo como se comportam. Muitos parecem desconsertados, apáticos e vivendo numa ficção. Prefiro mil vezes a vida de verdade que temos no Brasil...

Liberté, Égalité, Fraternité (et Humiliation?)...


Essa semana completei mais duas provas da gincana francesa para liberação da carte de séjour. Por mais estranho que pareça, tenho que passar por todo processo do serviço de imigração, apesar de ser casada com francês. Como meu visto foi emitido errado pelo consulado da França no Rio, fui obrigada a precipitar o processo. A primeira etapa, a de formação cívica, parecia piada de mau gosto. Uma francesa que se disse formada em direito (mas que não é advogada), iniciou a grande jornada de eventos bizarros que duraram dois longos dias. Com uma fala compulsiva sobre leis, símbolos e diretrizes políticas francesas, postura patética e um insuportável sorriso amarelo, ela descrevia a França como um mundo maravilhoso e justo, além de repetir várias vezes que seu bondoso governo seguia os ideais de fraternidade e liberdade, sem esquecer de enaltecer a solidariedade de suas instituições. As horas se seguiam e o discurso se mantinha, mais parecia estratégia de lavagem cerebral ou ritual de tortura, para que quem sabe, alguns desistissem de continuar. O pior era o tipo de pré julgamento a que fomos impostos, tratados como se saíssemos do ermo ou de uma nação selvagem e sem lei. A gota d'água da manhã tinha sido a imposição para que cantássemos o hino nacional francês (La Marseillaise). Apesar de respeitar a história e os símbolos franceses, me recusei participar daquela aberração.
E pra quem vangloriava dos ideais de igualdade e liberdade do seu país, a instrutora francesa se contradisse totalmente após o almoço. Ela visivelmente deixou sua face hipócrita e mentirosa aparecer quando se tornou agressiva e desrespeitosa pelo simples fato de eu ter saído para almoçar fora do local de treinamento. Argumentou, acreditem, que era proibido sair para almoçar fora. E os absurdos se seguiram como no momento em que falou que "a esquerda e a mídia sempre falam mal do governo"ou que a "proibição do uso da burqa (burka) na França era por motivo de segurança e que terroristas poderiam carregar armas por baixo daquela roupa". No dia seguinte, mais ameno, porém não menos humilhante, assistimos uma avalanche de baboseiras ("Como viver na França"). Uma educadora francesa falou horas sobre, como usar cartão de crédito, andar de bicicleta, educar os filhos, procurar emprego e uma infinidade de inutilidades, visto que a maioria que estava no treinamento já vivia aqui, como ilegal, há mais de 10 anos. Vive la France! Sei que ainda tenho outras etapas nesse picadeiro...


terça-feira, 27 de outubro de 2009

E o crack chegou também na Guiana Francesa...


Com 47 % da população com menos de 19 anos, o subdesenvolvimento cultural e o ingresso constante de novos habitantes, com peculiaridades culturais e sociais bastante incomuns, o advento da nova e devastadora droga poderá se tornar um problema bem maior do que muitos pensam. Recentemente soube que os traficantes locais estão misturando o crack a maconha comercializada. Eles tem conhecimento do alto grau de dependência que o crack consegue em pouquíssimo tempo de uso, estão investindo na criação de uma massa de consumidores impotentes da droga.


segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Violência...


Fiquei muito emocionada com o depoimento de um pai que perdeu o filho para o crack, no Rio de Janeiro. Este acontecimento trágico recente, que ficou visível para todos, por ter acontecido com um filho da classe média carioca, no seio da zona sul, vem dizimando vidas anônimas, direta e indiretamente, há anos. Apendi, com os anos de saúde pública, trabalhando com polulações negligenciadas e vulneráveis, como os usuários de drogas, profissionais do sexo, transgêneros e hiv positivos, acolher e cuidar dessa população. Pude conhecer as pessoas por trás dos estigmas e suas duras estórias de vida. Eles, mais que qualquer um, são provas vivas de que toda ação tem uma reação ou consequência. Muitos usuários de drogas, bandidos ou profissionais do sexo, tinham em comum um passado de abuso e abandono. Mesmo os que eram provenientes de uma classe econômica melhor. Famílias desestruturadas, maus tratos e abuso sexual na infância, violência e doenças psiquiátricas incompreendidas e negligenciadas, abandono institucional, principalmente por parte do Estado no que se refere a educação, permeiam esse universo com uma frequência muito maior do que se possa imaginar. Um caso marcante pra mim, e que ilustra bem tudo isso, é o de um paciente que acompanhei, dependente de cocaína, álcool, maconha e crack, que também trafica pequenas quantidades de droga na zona sul. Veio de uma família violenta, desestruturada, com histórico de uso e abuso de álcool e drogas. Iniciado no álcool com apenas cinco anos e nas drogas com sete anos. Sofreu todo tipo de violência física e psicológica ainda na infância, com piora dos horrores na adolescência. Sem proteção, sem carinho ou compaixão. O que se espera dessa vida? Quase impossível uma pessoa como essa se tornar um "cidadão de bem". Atendi esse paciente pela primeira vez há alguns anos, na época, já bem destruído fisicamente pelo crack e, totalmente devastado psicologicamente pela vida. Ficamos conversando por 3 horas eu acho. Fiquei impressionada com sua estória de vida. Ele ali na minha frente falando com pouca energia que lhe restava, muito emagrecido, sem esboçar qualquer sinal de emoção quando tocava em assuntos dos mais íntimos imagináveis. Apenas quando quis saber mais sobre sua relação com mãe e irmãos, percebi um olhar de tristeza e dor. Perguntava-lhe o que achava de ainda estar vivo. Difícil acreditar que apesar de tudo, tenha chegado aos 32 anos, mesmo parecendo ter uns 20 anos mais. Falava sobre sua trajetória íntima com as drogas e consequentemente com o tráfico solitário que fazia para sustentar o vício. Pensamos numa solução para mudar aquela vida miserável. Não tinha terminado nem a terceira série primária e com várias prisões no currículo, seria difícil procurar emprego. Falava que seu sonho era trabalhar como garçon num restaurante da zona sul do Rio e quem sabe um dia chegar a mètre. Tentou algumas internações para se livrar do crack, infelizmente o período para cada paciente numa clínica pública para recuperação de dependentes é muito curta. No caso do crack, ele mesmo sabia que não conseguiria se não fosse por pelo menos dois anos. Sentia raiva pela infância, por não ter podido brincar como criança e nem ter ido à escola. Sentia raiva do morador da zona sul, que o tratava com medo e desprezo durante o dia e à noite o procurava para comprar drogas. Sentia raiva da polícia, que sempre que o pegava com drogas, era espancado e lhe roubavam o dinheiro e as drogas. Se sentia menos triste quando raramente era tratado como gente. Achava que Deus olhava por ele, apesar de tudo. Contava que quando ia buscar a droga no Complexo do Alemão, voltava pra zona sul orando baixinho no ônibus pela madrugada. Sei que não me contava sua vida esperando pena, sabia que o período que precisava de alguma compaixão já tinha passado há muito tempo com o fim da infância. Ele sabe e, sempre deixou bem claro que ingressou numa viajem sem volta. Atualmente acho que se encontra em mais uma internação para tratamento da dependência ou mesmo, pode ter sido morto em algum canto da cidade. Ele, como muitos outros, não tinha como escapar da violência e nem de se tornar um instrumento dela.
Pra toda ação há uma consequência!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Estranha saudade...


Que falta você faz Darcy! É o que gostaria de gritar aos quatro cantos, quando vejo no que se tornou o Brasil, em especial o Rio de Janeiro. Seria mais fácil se ouvíssemos o sábio Darcy, passando a enxergar nosso povo como ele realmente é e trilhar os caminhos que ele traçou. É estranho sentir saudades de alguém que não se conheceu. Desde minha adolescência, lia e ouvia o que ele tinha a dizer com profunda admiração, respeito e emoção. Senti um aperto no peito lendo "O Povo Brasileiro". Me revolta ver que Darcy nos deixou as respostas e nenhum governante até hoje teve vontade política para mudar nada no país...

Biografia (Por Fábio Pereira)
Darcy Ribeiro nasceu em Minas (1922), no centro do Brasil. Formou-se em Antropologia em São Paulo (1946) e dedicou seus primeiros anos de vida profissional ao estudo dos índios do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia. Neste período fundou o Museu do Índio e criou o Parque Indígena do Xingu. Escreveu uma vasta obra etnográfica e de defesa da causa indígena.
Nos anos seguintes (1955) dedicou-se à educação primária e superior. Criou a Universidade de Brasília e foi Ministro da Educação. Mais tarde foi Ministro-Chefe da Casa Civil e coordenava a implantação das reformas estruturais, quando sucedeu o golpe militar de 64, que o lançou no exílio.
Viveu em vários países da América Latina onde, conduzindo programas de reforma universitária, com base nas idéias que defende em A universidade necessária. Foi assessor do presidente Salvador Allende, do Chile, e Velasco Alvarado, do Peru. Escreveu neste período os cinco volumes de seus Estudos de Antropologia da Civilização (O processo civilizatório, As Américas e a Civilização, O dilema da América Latina, Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil, e Os índios e a Civilização), que têm 96 edições em diversas línguas. Neles propõe uma teoria explicativa das causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos.
Ainda no exílio, começou a escrever os romances Maíra e O mulo, e já no Brasil escreveu dois outros: Utopia selvagem e Migo. Publicou Aos trancos e barrancos, que é um balanço crítico da história brasileira de 1900 a 1980. Publicou também uma coletânea de ensaios insólitos: (Sobre o óbvio), e um balanço de sua vida intelectual: Testemunho. Edita juntamente com Berta G. Ribeiro a Suma Teológica brasileira. Seu último livro, publicado pela Biblioteca Ayacucho, em espanhol, e pela Editora Vozes, em Português, é A fundação do Brasil, um compêncio de textos históricos dos séculos XVI e XVII, comentados por Carlos Moreira, e precedidos de um longo ensaio analítico sobre os primórdios do Brasil.
Retornando ao Brasil em 1976, voltou a dedicar-se à educação e à política. Elegeu-se vice-governador do estado do Rio de Janeiro, foi secretário da Cultura e Coordenador do Programa de Educação, com o encargo de implantar 500 CIEPs que são grandes escolas de turno completo para 1000 crianças e adolescentes. Criou, então, a Biblioteca Pública Estadual, a Casa França-Brasil, a Casa de Cultura Laura Alvin, o Centro Infantil de Cultura de Ipanema e o Sambódromo, em que colocou 200 salas de aula para fazê-lo funcionar também como uma enorme escola primária.
Elegeu-se senador da República, função que exerce defendendo vários projetos, entre eles, uma lei de trânsito para defender os pedestres contra a selvageria dos motoristas; uma lei dos transplantes que, invertendo as regras vigentes, torna possível usar órgãos dos mortos para salvar os vivos, uma lei contra o uso vicioso da cola de sapateiro que envenena e mata milhares de crianças. Combate energicamente no Congresso para que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação seja mais democrática e mais eficaz. Publica pelo Senado a revista Carta, onde os principais problemas do Brasil e do mundo são analisados e discutidos. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras.
Conta entre suas façanhas maiores haver contribuído para o tombamento de 98 quilômetros de belíssimas praias e encostas, além de mais de mil casas do Rio antigo. Colaborou na criação do Memorial da América Latina, edificado em São Paulo com projeto de Oscar Niemeyer. Gravou um disco na série mexicana "Vozes da América". E mereceu títulos de Doutor Honoris Causa da Sorbonne e das Universidades de Montevidéu, Copenhague e da Venezuela Central.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Humanos...

Humanos

(Gonzaguinha)

Nós não somos bichos,
Nós não somos animais

Nós não somos feras,
Nós não somos bestas,
Nós não somos animais,
Somos não.
Temos inteligência,
Temos raciocínio,
Temos lucidez,
ou não.

Destroçamos tudo,
Devastamos tudo,
Destruímos tudo
Nós matamos,
Nos matamos,
Nós não somos bichos,
Claro que somos piores.
Somos humanos

Nós não somos feras selvagens
Nós não somos bestas selvagens
Nós não somos animais selvagens

Somos não

Temos inteligência, somos humanos
Temos raciocínio, somos humanos
Temos lucidez, somos humanos
ou não

Destroçamos tudo, nós destruímos
Devastamos tudo, nós destruímos
Destruímos tudo, claro que nos destruímos
Nós matamos por nada,
Nos matamos por nada,
Nós não somos bichos,
Claro que somos piores
Somos humanos.

Pra não dizer que não falei de flores...

Estou estudando francês em dois locais diferentes aqui em Kourou. Um funciona numa associação, com valor simbólico para mensalidades, os alunos, na grande maioria, são imigrantes da Guiana(inglesa) e Suriname. Todo final de aula, sinto um certo alívio de não estar mais naquela sala. Me angustia bastante tomar parte da realidade sofrida dessas pessoas. São jovens e pessoas de meia idade, na verdade fica difícil acertar na idade real pelo desgaste físico que o sofrimento causa, fugitivos da pobreza e da dor. Tento imaginar os caminhos que percorreram para chegarem até aqui. Muitos são analfabetos, falam apenas dialetos, nem espanhol, holandês, inglês ou francês, certamente terão tanta dificuldade para aprender a escrita e leitura do novo idioma que desistirão no meio do caminho. Ficarão renegados aos subempregos e aos baixos salários, talvez mais felizes do que antes, pelo menos terão o direito de existir, mesmo sabendo que não encontrarão muitas flores no caminho...


quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Música como boa opção...

Quase solitária tem sido minha redescoberta musical, aproveito o tempo livre para ouvir velhos e novos arquivos musicais que guardamos com carinho.
Tinha esquecido do grande prazer que a música pode proporcionar. Remexendo nesse baú musical, que hoje é representado por um bom computador e um mega HD, voltei os ouvidos para as belas canções do Bola Sete (Djalma Andrade). Um grande músico e compositor carioca, esquecido por grande parte dos brasileiros, mas ainda lembrado fora do Brasil.

Coisas para fazer em Kourou?

Ontem tentamos achar alguns pontos positivos pra nossa estada em Kourou. Foi difícil, a aparente tranquilidade do lugar, trabalhar perto de casa e não perder horas no engarrafamento, foram os poucos pontos positivos que conseguimos enumerar. O mais traumático, pra quem sai de uma grande metrópole e vem viver aqui, é a falta de atividades culturais de qualidade e a escassa vida social. Poucos amigos, no meu caso nenhum por enquanto, sem bons lugares para encontros sociais como cafés, bares ou restaurantes. Não sei o que se pode fazer por aqui...

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Guiana francesa a 20 mil léguas do primeiro mundo...

Muitos dias se passaram, coisas aconteceram mas continuo com a certeza que aqui não tem nada de primeiro mundo. Com exceção do custo de vida, principalmente nos preços dos alimentos, o que vemos é o pior da América Latina e África. Estive grávida e, enfim mais feliz aqui, por culpa do destino, acho, tive a felicidade interrompida há alguns dias. Os fatos que se sucederam com o início dos sintomas do aborto foram dignos de história de cidade do interior do Brasil. Cheguei ao único hospital de Kourou, que fica perto de casa, às 13 horas, com cólicas e sangramento esperei por atendimento por 3 horas ou mais, numa emergência aparentemente vazia, a justificativa foi que havia apenas um médico atendendo. Após 4 horas fui atendida pelo médico, examinada e encaminhada ao ginecologista. Fui para outro setor do hospital, onde se localiza a maternidade e após mais espera, atendida por um ginecologista que verificou a interrupção da gestação. Este então me receitou um medicamento via oral que causa contrações violentas para expulsar o conteúdo uterino. Os comprimidos foram administrados por uma enfermeira e fiquei em observação por meia hora. Com fortes dores, fui liberada para casa, sem orientação para retorno ou exames posteriores. Já em casa, com piora da dor e vômitos que não permitiam o uso de analgésicos orais, retornei ao hospital. Novamente aguardei na emergência vazia por uma medicação mais eficaz para dor. Uma das enfermeiras comentou que esperar não era problema e que 5 minutos a mais ou a menos com dor não faria diferença. Os comentários dos profissionais, todos formados na França, país de primeiro mundo, me fizeram lembrar do que temos de pior no Brasil, em termos de saúde. E, comparando a situação que temos na saúde, numa cidade grande como o Rio de Janeiro, por exemplo, população muito maior e, condições de trabalho dos profissionais nos hospitais públicos infinitamente piores do que tenho visto em Kourou, não há atitudes como estas dos profissionais, frente a um paciente com dor. Verdadeiramente no Rio, apesar de todas as dificuldades, os profissionais são mais humanizados e solidários. Ganham pouco, trabalham mais contudo, tratam seus pacientes com mais respeito.