terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A culpa é da brasileira...



Definitivamente, a Guiana e eu não somos compatíveis. Quando penso que entendo um pouco disso aqui, sou surpreendida por novos produtos locais, por vezes assustadores. Posso afirmar que a Guiana é um modelo sem lógica, mesmo sabendo que a lógica não é uma lei absoluta que governa o universo. Temo pelo futuro, pobre de quem permanecera, participando dessa sociedade afetada que se forma descompassadamente. Me tranquiliza saber que não ficarei aqui por muito tempo. Vejo com preocupação esse ajuntamento disforme das diferentes "tribos" que formam a Guiana. As pessoas chegam e rapidamente apoderam-se do pior que a sociedade local tem a oferecer. Ninguém se sente parte desse todo logo, não se responsabilizam por nada. O poder local, por outro lado, age com excesso de eufemismo, possivelmente para garantir a satisfação e "paz" local.  Observando mais próximo uma fatia desse bolo, formada pela população de imigrantes brasileiros por exemplo, se por um lado vemos boa parte que ingressou nesse barco, com o simples objetivo de fugir da pobreza e abandono nas regiões norte e nordeste do Brasil, vemos também que muitos chegam já perdidos por aqui, buscando vida fácil e acreditando na lenda do dinheiro que nasce em árvores. Quase todos de baixa ou nenhuma escolaridade, acabam mantendo o mesmo estilo de vida, regado com álcool e baderna. Piora muito quando vemos a situação da mulher brasileira que faz esse processo de  imigração. Muitas casam com franceses que mal conhecem, não falam francês e eles tampouco o português. Recentemente, fui testemunha de uma cena que seguramente só existe por aqui, uma brasileira, casada com um francês e que esta a pouco tempo morando aqui, quando perguntada sobre o nome do marido para um cadastro , já que havia deixado o espaço sem resposta no formulário, não soube responder. Ligou para o marido e pediu para que a pessoa interessada perguntasse-lhe o nome. Fiquei tão chocada com a situação. Sei que por aqui, isso é comum. Casais que não conversam, ou nunca conversaram e que não sabem nem sequer seus nomes. Penso em que tipo de relação estão inventando por aqui, familias que não compartilham nada. Não estou querendo enquadrar as brasileira na falácia do espantalho, como muitos fazem por aqui. Quer dizer, desqualificar para melhor atacar. Contudo, por ser mulher e, principalmente, brasileira também, fico sim indignada com essa desvalorização humana de ambos os lados. Vejo o péssimo julgamento, na verdade chega a ser uma condenação preconceituosa, que fazem das brasileiras. Na postagem anterior, falei da ponte fechada para reparo por ameaça de desabamento. Pois bem, uma profissional que visitamos em Caiena, nativa local (criola), afirmou, indiretamente, que era culpa das brasileiras a ponte estar fechada e o todo caos formado a partir dali. Explicando melhor o absurdo do raciocínio, segundo a mesma, os franceses que trabalham para o governo não fazem nada por que, chegam na Guiana e arrumam logo uma mulher brasileira. E continuando, falou que eles acabam perdendo tudo por que são enrolados pelas brasileiras e que isso sim era muito bem feito. Com isso podemos medir o grau de confiabilidade que a reputação das brasileiras alcançou e melhor, o grau de preconceito contra as mesmas. Isso é Guiana, sei que acontece também em outras terras...

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Engarrafamento na selva amazônica



Só mesmo aqui na Guiana Francesa, lugar estrategicamente abandonado pela França, podemos ver uma coisa bizarra como essa. Um engarrafamento de mais de quatro horas em pleno nada, no meio do mato. Como tudo por aqui, o governo local, apesar de receber muitos Euros proporcionados pela base espacial em Kourou, não faz o mínimo necessário para manutenção em condições razoáveis do equipamento público geral. O que vemos é uma região que ninguém afirmaria, se não informado previamente, ser a localização do centro espacial europeu. Como não fazem o dever de casa direito, deixaram sem manutenção a única ponte que liga a cidade de Caiena a Kourou. O resultado da irresponsabilidade foi a constatação tardia de que a estrutura da ponte estava preste a ruir, inclusive, um pilar jà havia afundado no rio. Decidiram pelo interrupção do fluxo em uma das faixas e hoje, fechamento da ponte para reparos. O problema é que esta era a única via  relativamente segura de Kourou para Caiena. Uma outra opção para se sair da cidade, onde vemos na foto, é estreita, perigosa e sem nenhuma iluminação a noite. Para piorar ficamos sabendo que uma das pontes de metal nesse acesso também está prestes a cair. Quem precisa, irà se arriscar, não terá saída. Ficamos ilhados em Kourou, provavelmente não haverá entrega de mercadorias na cidade por falta de rota para os caminhões, pela manhã, todos corriam para os mercadinhos a fim de garantir suas sobrevivências até que tudo se normalize. Que coisa... Isso é Guiana, você não vai acreditar (slogan da secretaria de turismo)...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Muitas razões para dizer não a vacinação contra o virus Influenza A (H1N1)


Não é novidade para ninguém, a total falta de limites, quando se pensa em ganância, com  a qual as grandes indústrias farmacêuticas encaram a possibilidade de lucro. Já trabalhei como colaboradora de um grande laboratório farmacêutico e vi, mesmo vivenciando pouco apenas  do patamar periférico de atuação desse tipo de organização que, visando as metas dos exorbitantes lucros que sempre conseguem, são capazes de qualquer coisa. Aprendi cedo a nunca confiar nas grandes indústrias, principalmente as farmacêuticas. O que me preocupa nisso tudo, é saber que eles conseguem facilmente a compactuação dos governos nesses esquemas, liberam medicamentos com testes forjados  e colocam em risco a saúde de milhares de pessoas em função de seus lucros. Não duvidaria nada, se o ressurgimento de doenças ou aparecimento desses novos microorganismos mutantes, não aconteceram e acontecem por intervenção humana. Nos grupos de pacientes que acompanhava, sempre surgia essa questão, muitos davam risadas e encaravam tudo como história mirabolante ou lendas urbanas típicas, fruto de teorias conspiratórias, mas sei que essa dúvida sempre ficava no ar, principalmente por eles terem se tornado vítimas de uma dessas doenças de surgimento duvidoso. Voltando ao caso da Influenza pelo vírus A (H1N1), decidi não tomar a vacina e orientei todos os familiares e amigos a fazerem o mesmo.  Não sou a única a considerar essa nova vacina uma potencial causadora de doenças graves num futuro próximo ou bem distante (esse talvez, pode ser o pior problema). A seguir estou postando um alerta que a Fiocruz emitiu em agosto.

Pressa na produção da vacina contra Influenza A (H1N1) pode oferecer riscos à saúde

13/08/2009
A emergência no desenvolvimento de uma vacina eficaz contra o vírus da gripe A (H1N1) pode acarretar na supressão de importantes fases de testes que avaliam a segurança do imunizante. Além disso, o procedimento usado no desenvolvimento da vacina contra a atual pandemia de influenza pode trazer riscos de câncer aos indivíduos. O alerta foi feito por Wolfgang Wodarg, respeitado especialista em saúde pública da Alemanha e membro da Comissão de Saúde do Parlamento Europeu. Para o pneumologista, os testes clínicos estão sendo realizados através de métodos rápidos mas pouco testados, num período muito mais curto do que o habitual - um ano.

O processo usual na produção de imunizantes é concebido através da cultura em ovos de galinha. O método é seguro mas lento porque cada ovo fornece uma dose. A preocupação de Wodarg tem como alvo a vacina produzida pelo laboratório Novartis, desenvolvida por cientistas da Universidade de Marburg, na Alemanha, e é baseada no uso de cultura de células cancerosas de animais. Com esta técnica, é possível fazer em uma semana cerca de cinco milhões de doses. O processo de testagem começou há duas semanas, e Wodarg afirma que na correria para disponibilizá-la será apenas possível saber se ela causa alergias. Para investigar o risco de câncer, é preciso tempo.

- As células estão infectadas com o vírus. A técnica é mais rápida porque esse tipo de célula se multiplica muito, e depressa, o que acelera a produção de doses. Mas se houver impureza, essas células poderiam causar câncer. Precisamos descartar esse risco.

O diretor do Instituto de Virologia da Universidade de Marburg e chefe da equipe que desenvolveu a vacina da Novartis, Stephan Becker, defende o método utilizado e admite os riscos, mas afirma ser "a única forma de obter milhões de vacinas numa pandemia". Além da Novartis, outros laboratórios também estão se mobilizando no desenvolvimento de uma vacina, como a GlaxoSmithKline, Sanofi-Pasteur e CSL. No Brasil, a Fundação Instituto Butantan recebeu a cepa do vírus H1N1 para a produção de uma vacina. Segundo o presidente da instituição, Isaías Raw, a cepa foi enviada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e serão fabricadas, inicialmente, 30 milhões de doses. A inteção é distribuir a vacina em janeiro de 2010. O Ministério da Saúde também negocia com o Sanofi-Pasteur a importação de 17 milhões de doses.

Especialistas enxergam a corrida na produção de vacinas como uma forma de alimentar interesses dos grandes laboratórios. No ano de 1976, a tentativa de imunização às pressas nos Estados Unidos contra uma possível pandemia de influenza H1N1 causou mais transtornos do que benefícios. Milhares de pessoas desenvolveram reação vacinal e houve vários relatos de síndrome de Guillain-Barré, doença rara que afeta os nervos.

Enquanto as dicussões a respeito da segurança das vacinas contra o H1N1 acontecem, a gripe suína vem gerando lucros exorbitantes às receitas do laboratório Roche, responsável pela comercialização do Tamiflu. Desde o surgimento da doença em abril, a compra do medicamento triplicou, alcançando cerca de US$ 930 milhões em vendas em farmácias e estoques feitos por governos no mundo inteiro. Uma projeção divulgada pela Roche estima que o Tamiflu alcance quase US$ 2 bilhões de dólares em vendas até o fim do ano.


segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Ganho bem = Vivo bem?

Definitivamente essa equação não é válida, quando tratamos de Guiana Francesa. Muitos aterrissam nesse território com a esperança de ganhar um alto salário, o que inconscientemente, implicaria numa melhor qualidade de vida, contudo, a triste realidade local se apresenta logo cedo para o visitante recém chegado. Apesar do alto custo de vida, superior ao da França real, não há em contrapartida, um oferecimento condizente de serviços ou produtos, o que acaba tornando surreal os gastos cotidianos com coisas de baixíssima qualidade. Uma simples ida a um mercado local se traduz num pesadelo diário para os moradores de Kourou. Desabastecimento ou abastecimento irregular, limpeza precária e armazenamento em condições duvidosas, preços impraticáveis e pouquíssima variedade de produtos. Muita gente tem o privilégio de ganhar muito bem por aqui mas, por outro lado, não podem sequer ter uma alimentação saudável ou minimamente balanceada. Sem contar com a falta de estrutura cultural e até governamental, ruas esburacadas e sujas, paisagem geral feia e defasada e inexistência de equipamentos culturais e de lazer. Por um lado a população local tem grande parcela de culpa, pela falta de civismo e educação, jogam todo tipo de lixo nas ruas e praias deixando as poucas áreas de lazer coletivo imundas e perigosas, pela quantidade de garrafas quebradas e vidros espalhados, e por não se sentirem parte do local, não se responsabilizam por nada e também não cobram serviços melhores, por parte do governo local e dos comerciantes que só lucram e pouco se importam com seus consumidores. O produto final disso tudo é a constatação de que o dinheiro não vale muito para quem quer ter uma vida com qualidade, pelo menos por aqui...

domingo, 8 de novembro de 2009

Identidade Cultural Guianesa



 Desde que cheguei, tento desvendar um pouco os mistérios sociais e culturais desse estranho território. Percebi que, além das grandes questões sociais, maquiadas superficialmente pelas autoridades francesas e locais, a Guiana sofre com uma profunda falta de identidade cultural. É certo que, com a variedade cultural local e a entrada e saída de imigrantes estrangeiros e migrantes franceses, dificilmente se conseguiria, em pouco tempo, uma integração cultural de tantos povos diferentes. Diferente do Brasil que vemos a integração cultural dos povos introduzidos e uma quase fusão, com a produção de uma cultura própria, na Guiana os grupos se isolam e não participam suas características culturais para os demais. Sinto que esses grupos, chegando no novo território, forçadamente buscando integração local, tentam se despirem de suas bagagens culturais e acabam adotando características importadas pelos grupos que aqui se fizeram mais influentes socialmente. O mais curioso é que esses caracteres culturais não são franceses, como se poderia esperar, a grande maioria quando se expressa socialmente, remete a cultura norte americana, tanto na forma de agir socialmente, quanto nas escolhas culturais (música, filmes, etc). Talvez, num futuro ainda distante, esses grupos possam se integrar e usar seus caracteres sociais natos com a finalidade de se criar uma identidade cultural verdadeiramente local. Por enquanto, vemos que a colcha de retalho continuará sendo fabricada, sem que, infelizmente, suas partes se combinem.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Pluralidade Cultural x Identidade Nacional

Sempre acreditei que o mundo só tem sua beleza e, ainda vale alguma coisa, por causa da mágica encantadora que é a diversidade. Já imaginaram se fossemos todos iguais, gostássemos das mesmas coisas, tivéssemos as mesmas opiniões e pior, fabricássemos as mesmas manifestações artísticas e ouvíssemos as mesmas músicas? O mundo seria muito chato e eu, com certeza, pediria para sair dele. A maior riqueza da humanidade é, sem dúvida, esse conjunto maravilhoso formado por humanos e natureza. E, ser humano é ser único, logo diferente, mas que compartilha peculiaridades culturais de todas as partes do planeta, se tornando assim, um ser social e possibilitando as relações humanas com todo e qualquer tipo de cultura. Carregamos em nosso material genético essa história ancestral de misturas e mudanças que possibilitaram a formação dos diferentes tipos humanos de hoje. Não existe povo puro no planeta, todos temos inter-relações ancestrais que criaram a única raça de seres pensantes sobre a terra, que é a raça humana. Por que então enxergar a diferença como uma coisa do mal, se temos tanto em comum e, o pouco que nos é diferente faz do mundo essa explosão de cores e novidades. Não é errado querer e se sentir pertencente a um grupo ou nação. O que não se pode fazer, é negar sua ancestralidade e não enxergar verdadeiramente como seu povo se formou e como ele é. O povo europeu, por exemplo, foi formado por migrações, imigrações, fugas, guerras e conquistas milenares. Em sua ancestralidade tem um pouco de tudo também, turcos, celtas, persas, romanos, gregos, eslavos, asiáticos, dentre muitos outros. Felizmente, a história não mente e, basta estudar um pouquinho os povos antigos para entender que todos temos ancestrais em comum. Falo tudo isso por que tenho visto o aumento do pensamento xenofóbico na Europa e, recentemente o ministro francês da imigração Eric Besson, deu o pontapé inicial para que os franceses elaborem e discutam um modelo de identidade nacional. Sabemos que esse ministro, como muitos outros homens do poder, nutre em seu íntimo um sentimento de intolerância contra os imigrantes e os diferentes, não se dando trabalho nenhum para tentar escondê-lo. Incentivar o nacionalismo, fazendo com que o povo se veja do jeito que quem o comanda deseja, como já vimos na história recente, pode ser muito perigoso. O que vejo de mais belo em algumas cidades francesas, como Paris e Marseille, é essa diversidade cultural nas ruas. Pessoas de todo tipo, de cores, trajes, religiões, línguas, que convivem harmonicamente e congregam de um bem comum que é a própria França. É burrice negar a existência dessa nação diferente dentro de outra nação, e aproveitar, como sei que muitos fazem, dessa avalanche cultural de todas as partes do mundo. E, não sei se deram conta de uma face da França que convive com uma diversidade étnica e cultural maior ainda, e muito mais problemática, que é a França escondida nos territórios ultra marinhos (Guiana Francesa, Martinica, Guadalupe e Reunião). Por que, para o povo que vive nesses territórios, o sentimento e o que lhe é falado, é que ele é também parte do povo francês, contudo, bem sei que esse discurso é apenas para que ele continue lá, escondido, pacífico, correspondendo aos interesses dos governantes e, o mais importante, se mantendo bem distante da verdadeira França. Por que acham que aquilo lá não se parece com a França que eles idealizam, não pode então tomar parte na identidade do povo francês. "Ora, nem ao menos se parecem com europeus", devem dizer...Vou mais além para afirmar que os países europeus, bem como o EUA, tem uma dívida imensurável com os povos latinos, orientais e africanos pois, enriqueceram através da colonização de lugares que já tinham seus donos, saquearam e dizimaram culturas, escravizaram, intermediaram e favoreceram governos de ditadores, financiaram e contrabandiaram armas colocando povos e etnias umas contra as outras para lucrarem com suas guerras. Então, mais do que justo que esses imigrantes sejam sim recebidos, e esses governos paguem um mínimo de suas dívidas.
Escrevi esse texto hoje pela manhã, na verdade estava muito melhor, acabei perdendo antes de salvá-lo. Só agora à noite li a triste notícia que Lévi-Strauss faleceu, ele que nos deixou um precioso legado , e para nós no Brasil, acho que maior ainda, pois fez toda diferença no desenvolvimento do pensamento brasileiro...

"Na era da mundialização, em que a diversidade externa tende a tornar-se cada vez mais pobre, torna-se urgente manter e preservar a diversidade interna de cada sociedade, gestada por todos os grupos e subgrupos humanos que a constituem e que desenvolvem, cada um, diferenças às quais atribuem extrema importância. Em certa medida, a diversidade cultural poderá pelo menos ser mantida e estimulada pela preservação das especificidades culturais dos diferentes grupos sociais: assim como se criam bancos de genes de espécies vegetais para evitar o empobrecimento da diversidade biológica e o enfraquecimento de nosso ambiente terrestre, é preciso, para que a vitalidade das sociedades não seja ameaçada, conservar, ao menos, a memória viva de costumes, de práticas e saberes insubstituíveis que não devem desaparecer. Pois é a diversidade que deve ser salva, não o conteúdo histórico que cada época lhe conferiu e que ninguém saberá perpetuar para além dela própria. A nova legislação brasileira abre, nesse sentido, vias que poderão ser úteis como inspiração para toda a comunidade internacional." (LEVI-STRAUSS, 2001:27).

..."creio que a humanidade permanecerá diversa, essa é sua única chance". (Lévi-Strauss)


sábado, 31 de outubro de 2009

Será que estou no "Show de Truman"?


Tenho a sensação que estou vivendo numa maquete ou cenário, com gente fake por todos os lados. Esse povo europeu tropical é muito estranho, salvo exceções. Tudo é meio artificial, das relações ao modo como se comportam. Muitos parecem desconsertados, apáticos e vivendo numa ficção. Prefiro mil vezes a vida de verdade que temos no Brasil...

Liberté, Égalité, Fraternité (et Humiliation?)...


Essa semana completei mais duas provas da gincana francesa para liberação da carte de séjour. Por mais estranho que pareça, tenho que passar por todo processo do serviço de imigração, apesar de ser casada com francês. Como meu visto foi emitido errado pelo consulado da França no Rio, fui obrigada a precipitar o processo. A primeira etapa, a de formação cívica, parecia piada de mau gosto. Uma francesa que se disse formada em direito (mas que não é advogada), iniciou a grande jornada de eventos bizarros que duraram dois longos dias. Com uma fala compulsiva sobre leis, símbolos e diretrizes políticas francesas, postura patética e um insuportável sorriso amarelo, ela descrevia a França como um mundo maravilhoso e justo, além de repetir várias vezes que seu bondoso governo seguia os ideais de fraternidade e liberdade, sem esquecer de enaltecer a solidariedade de suas instituições. As horas se seguiam e o discurso se mantinha, mais parecia estratégia de lavagem cerebral ou ritual de tortura, para que quem sabe, alguns desistissem de continuar. O pior era o tipo de pré julgamento a que fomos impostos, tratados como se saíssemos do ermo ou de uma nação selvagem e sem lei. A gota d'água da manhã tinha sido a imposição para que cantássemos o hino nacional francês (La Marseillaise). Apesar de respeitar a história e os símbolos franceses, me recusei participar daquela aberração.
E pra quem vangloriava dos ideais de igualdade e liberdade do seu país, a instrutora francesa se contradisse totalmente após o almoço. Ela visivelmente deixou sua face hipócrita e mentirosa aparecer quando se tornou agressiva e desrespeitosa pelo simples fato de eu ter saído para almoçar fora do local de treinamento. Argumentou, acreditem, que era proibido sair para almoçar fora. E os absurdos se seguiram como no momento em que falou que "a esquerda e a mídia sempre falam mal do governo"ou que a "proibição do uso da burqa (burka) na França era por motivo de segurança e que terroristas poderiam carregar armas por baixo daquela roupa". No dia seguinte, mais ameno, porém não menos humilhante, assistimos uma avalanche de baboseiras ("Como viver na França"). Uma educadora francesa falou horas sobre, como usar cartão de crédito, andar de bicicleta, educar os filhos, procurar emprego e uma infinidade de inutilidades, visto que a maioria que estava no treinamento já vivia aqui, como ilegal, há mais de 10 anos. Vive la France! Sei que ainda tenho outras etapas nesse picadeiro...


terça-feira, 27 de outubro de 2009

E o crack chegou também na Guiana Francesa...


Com 47 % da população com menos de 19 anos, o subdesenvolvimento cultural e o ingresso constante de novos habitantes, com peculiaridades culturais e sociais bastante incomuns, o advento da nova e devastadora droga poderá se tornar um problema bem maior do que muitos pensam. Recentemente soube que os traficantes locais estão misturando o crack a maconha comercializada. Eles tem conhecimento do alto grau de dependência que o crack consegue em pouquíssimo tempo de uso, estão investindo na criação de uma massa de consumidores impotentes da droga.


segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Violência...


Fiquei muito emocionada com o depoimento de um pai que perdeu o filho para o crack, no Rio de Janeiro. Este acontecimento trágico recente, que ficou visível para todos, por ter acontecido com um filho da classe média carioca, no seio da zona sul, vem dizimando vidas anônimas, direta e indiretamente, há anos. Apendi, com os anos de saúde pública, trabalhando com polulações negligenciadas e vulneráveis, como os usuários de drogas, profissionais do sexo, transgêneros e hiv positivos, acolher e cuidar dessa população. Pude conhecer as pessoas por trás dos estigmas e suas duras estórias de vida. Eles, mais que qualquer um, são provas vivas de que toda ação tem uma reação ou consequência. Muitos usuários de drogas, bandidos ou profissionais do sexo, tinham em comum um passado de abuso e abandono. Mesmo os que eram provenientes de uma classe econômica melhor. Famílias desestruturadas, maus tratos e abuso sexual na infância, violência e doenças psiquiátricas incompreendidas e negligenciadas, abandono institucional, principalmente por parte do Estado no que se refere a educação, permeiam esse universo com uma frequência muito maior do que se possa imaginar. Um caso marcante pra mim, e que ilustra bem tudo isso, é o de um paciente que acompanhei, dependente de cocaína, álcool, maconha e crack, que também trafica pequenas quantidades de droga na zona sul. Veio de uma família violenta, desestruturada, com histórico de uso e abuso de álcool e drogas. Iniciado no álcool com apenas cinco anos e nas drogas com sete anos. Sofreu todo tipo de violência física e psicológica ainda na infância, com piora dos horrores na adolescência. Sem proteção, sem carinho ou compaixão. O que se espera dessa vida? Quase impossível uma pessoa como essa se tornar um "cidadão de bem". Atendi esse paciente pela primeira vez há alguns anos, na época, já bem destruído fisicamente pelo crack e, totalmente devastado psicologicamente pela vida. Ficamos conversando por 3 horas eu acho. Fiquei impressionada com sua estória de vida. Ele ali na minha frente falando com pouca energia que lhe restava, muito emagrecido, sem esboçar qualquer sinal de emoção quando tocava em assuntos dos mais íntimos imagináveis. Apenas quando quis saber mais sobre sua relação com mãe e irmãos, percebi um olhar de tristeza e dor. Perguntava-lhe o que achava de ainda estar vivo. Difícil acreditar que apesar de tudo, tenha chegado aos 32 anos, mesmo parecendo ter uns 20 anos mais. Falava sobre sua trajetória íntima com as drogas e consequentemente com o tráfico solitário que fazia para sustentar o vício. Pensamos numa solução para mudar aquela vida miserável. Não tinha terminado nem a terceira série primária e com várias prisões no currículo, seria difícil procurar emprego. Falava que seu sonho era trabalhar como garçon num restaurante da zona sul do Rio e quem sabe um dia chegar a mètre. Tentou algumas internações para se livrar do crack, infelizmente o período para cada paciente numa clínica pública para recuperação de dependentes é muito curta. No caso do crack, ele mesmo sabia que não conseguiria se não fosse por pelo menos dois anos. Sentia raiva pela infância, por não ter podido brincar como criança e nem ter ido à escola. Sentia raiva do morador da zona sul, que o tratava com medo e desprezo durante o dia e à noite o procurava para comprar drogas. Sentia raiva da polícia, que sempre que o pegava com drogas, era espancado e lhe roubavam o dinheiro e as drogas. Se sentia menos triste quando raramente era tratado como gente. Achava que Deus olhava por ele, apesar de tudo. Contava que quando ia buscar a droga no Complexo do Alemão, voltava pra zona sul orando baixinho no ônibus pela madrugada. Sei que não me contava sua vida esperando pena, sabia que o período que precisava de alguma compaixão já tinha passado há muito tempo com o fim da infância. Ele sabe e, sempre deixou bem claro que ingressou numa viajem sem volta. Atualmente acho que se encontra em mais uma internação para tratamento da dependência ou mesmo, pode ter sido morto em algum canto da cidade. Ele, como muitos outros, não tinha como escapar da violência e nem de se tornar um instrumento dela.
Pra toda ação há uma consequência!

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Estranha saudade...


Que falta você faz Darcy! É o que gostaria de gritar aos quatro cantos, quando vejo no que se tornou o Brasil, em especial o Rio de Janeiro. Seria mais fácil se ouvíssemos o sábio Darcy, passando a enxergar nosso povo como ele realmente é e trilhar os caminhos que ele traçou. É estranho sentir saudades de alguém que não se conheceu. Desde minha adolescência, lia e ouvia o que ele tinha a dizer com profunda admiração, respeito e emoção. Senti um aperto no peito lendo "O Povo Brasileiro". Me revolta ver que Darcy nos deixou as respostas e nenhum governante até hoje teve vontade política para mudar nada no país...

Biografia (Por Fábio Pereira)
Darcy Ribeiro nasceu em Minas (1922), no centro do Brasil. Formou-se em Antropologia em São Paulo (1946) e dedicou seus primeiros anos de vida profissional ao estudo dos índios do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia. Neste período fundou o Museu do Índio e criou o Parque Indígena do Xingu. Escreveu uma vasta obra etnográfica e de defesa da causa indígena.
Nos anos seguintes (1955) dedicou-se à educação primária e superior. Criou a Universidade de Brasília e foi Ministro da Educação. Mais tarde foi Ministro-Chefe da Casa Civil e coordenava a implantação das reformas estruturais, quando sucedeu o golpe militar de 64, que o lançou no exílio.
Viveu em vários países da América Latina onde, conduzindo programas de reforma universitária, com base nas idéias que defende em A universidade necessária. Foi assessor do presidente Salvador Allende, do Chile, e Velasco Alvarado, do Peru. Escreveu neste período os cinco volumes de seus Estudos de Antropologia da Civilização (O processo civilizatório, As Américas e a Civilização, O dilema da América Latina, Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil, e Os índios e a Civilização), que têm 96 edições em diversas línguas. Neles propõe uma teoria explicativa das causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos.
Ainda no exílio, começou a escrever os romances Maíra e O mulo, e já no Brasil escreveu dois outros: Utopia selvagem e Migo. Publicou Aos trancos e barrancos, que é um balanço crítico da história brasileira de 1900 a 1980. Publicou também uma coletânea de ensaios insólitos: (Sobre o óbvio), e um balanço de sua vida intelectual: Testemunho. Edita juntamente com Berta G. Ribeiro a Suma Teológica brasileira. Seu último livro, publicado pela Biblioteca Ayacucho, em espanhol, e pela Editora Vozes, em Português, é A fundação do Brasil, um compêncio de textos históricos dos séculos XVI e XVII, comentados por Carlos Moreira, e precedidos de um longo ensaio analítico sobre os primórdios do Brasil.
Retornando ao Brasil em 1976, voltou a dedicar-se à educação e à política. Elegeu-se vice-governador do estado do Rio de Janeiro, foi secretário da Cultura e Coordenador do Programa de Educação, com o encargo de implantar 500 CIEPs que são grandes escolas de turno completo para 1000 crianças e adolescentes. Criou, então, a Biblioteca Pública Estadual, a Casa França-Brasil, a Casa de Cultura Laura Alvin, o Centro Infantil de Cultura de Ipanema e o Sambódromo, em que colocou 200 salas de aula para fazê-lo funcionar também como uma enorme escola primária.
Elegeu-se senador da República, função que exerce defendendo vários projetos, entre eles, uma lei de trânsito para defender os pedestres contra a selvageria dos motoristas; uma lei dos transplantes que, invertendo as regras vigentes, torna possível usar órgãos dos mortos para salvar os vivos, uma lei contra o uso vicioso da cola de sapateiro que envenena e mata milhares de crianças. Combate energicamente no Congresso para que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação seja mais democrática e mais eficaz. Publica pelo Senado a revista Carta, onde os principais problemas do Brasil e do mundo são analisados e discutidos. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras.
Conta entre suas façanhas maiores haver contribuído para o tombamento de 98 quilômetros de belíssimas praias e encostas, além de mais de mil casas do Rio antigo. Colaborou na criação do Memorial da América Latina, edificado em São Paulo com projeto de Oscar Niemeyer. Gravou um disco na série mexicana "Vozes da América". E mereceu títulos de Doutor Honoris Causa da Sorbonne e das Universidades de Montevidéu, Copenhague e da Venezuela Central.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Humanos...

Humanos

(Gonzaguinha)

Nós não somos bichos,
Nós não somos animais

Nós não somos feras,
Nós não somos bestas,
Nós não somos animais,
Somos não.
Temos inteligência,
Temos raciocínio,
Temos lucidez,
ou não.

Destroçamos tudo,
Devastamos tudo,
Destruímos tudo
Nós matamos,
Nos matamos,
Nós não somos bichos,
Claro que somos piores.
Somos humanos

Nós não somos feras selvagens
Nós não somos bestas selvagens
Nós não somos animais selvagens

Somos não

Temos inteligência, somos humanos
Temos raciocínio, somos humanos
Temos lucidez, somos humanos
ou não

Destroçamos tudo, nós destruímos
Devastamos tudo, nós destruímos
Destruímos tudo, claro que nos destruímos
Nós matamos por nada,
Nos matamos por nada,
Nós não somos bichos,
Claro que somos piores
Somos humanos.

Pra não dizer que não falei de flores...

Estou estudando francês em dois locais diferentes aqui em Kourou. Um funciona numa associação, com valor simbólico para mensalidades, os alunos, na grande maioria, são imigrantes da Guiana(inglesa) e Suriname. Todo final de aula, sinto um certo alívio de não estar mais naquela sala. Me angustia bastante tomar parte da realidade sofrida dessas pessoas. São jovens e pessoas de meia idade, na verdade fica difícil acertar na idade real pelo desgaste físico que o sofrimento causa, fugitivos da pobreza e da dor. Tento imaginar os caminhos que percorreram para chegarem até aqui. Muitos são analfabetos, falam apenas dialetos, nem espanhol, holandês, inglês ou francês, certamente terão tanta dificuldade para aprender a escrita e leitura do novo idioma que desistirão no meio do caminho. Ficarão renegados aos subempregos e aos baixos salários, talvez mais felizes do que antes, pelo menos terão o direito de existir, mesmo sabendo que não encontrarão muitas flores no caminho...


quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Música como boa opção...

Quase solitária tem sido minha redescoberta musical, aproveito o tempo livre para ouvir velhos e novos arquivos musicais que guardamos com carinho.
Tinha esquecido do grande prazer que a música pode proporcionar. Remexendo nesse baú musical, que hoje é representado por um bom computador e um mega HD, voltei os ouvidos para as belas canções do Bola Sete (Djalma Andrade). Um grande músico e compositor carioca, esquecido por grande parte dos brasileiros, mas ainda lembrado fora do Brasil.

Coisas para fazer em Kourou?

Ontem tentamos achar alguns pontos positivos pra nossa estada em Kourou. Foi difícil, a aparente tranquilidade do lugar, trabalhar perto de casa e não perder horas no engarrafamento, foram os poucos pontos positivos que conseguimos enumerar. O mais traumático, pra quem sai de uma grande metrópole e vem viver aqui, é a falta de atividades culturais de qualidade e a escassa vida social. Poucos amigos, no meu caso nenhum por enquanto, sem bons lugares para encontros sociais como cafés, bares ou restaurantes. Não sei o que se pode fazer por aqui...

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Guiana francesa a 20 mil léguas do primeiro mundo...

Muitos dias se passaram, coisas aconteceram mas continuo com a certeza que aqui não tem nada de primeiro mundo. Com exceção do custo de vida, principalmente nos preços dos alimentos, o que vemos é o pior da América Latina e África. Estive grávida e, enfim mais feliz aqui, por culpa do destino, acho, tive a felicidade interrompida há alguns dias. Os fatos que se sucederam com o início dos sintomas do aborto foram dignos de história de cidade do interior do Brasil. Cheguei ao único hospital de Kourou, que fica perto de casa, às 13 horas, com cólicas e sangramento esperei por atendimento por 3 horas ou mais, numa emergência aparentemente vazia, a justificativa foi que havia apenas um médico atendendo. Após 4 horas fui atendida pelo médico, examinada e encaminhada ao ginecologista. Fui para outro setor do hospital, onde se localiza a maternidade e após mais espera, atendida por um ginecologista que verificou a interrupção da gestação. Este então me receitou um medicamento via oral que causa contrações violentas para expulsar o conteúdo uterino. Os comprimidos foram administrados por uma enfermeira e fiquei em observação por meia hora. Com fortes dores, fui liberada para casa, sem orientação para retorno ou exames posteriores. Já em casa, com piora da dor e vômitos que não permitiam o uso de analgésicos orais, retornei ao hospital. Novamente aguardei na emergência vazia por uma medicação mais eficaz para dor. Uma das enfermeiras comentou que esperar não era problema e que 5 minutos a mais ou a menos com dor não faria diferença. Os comentários dos profissionais, todos formados na França, país de primeiro mundo, me fizeram lembrar do que temos de pior no Brasil, em termos de saúde. E, comparando a situação que temos na saúde, numa cidade grande como o Rio de Janeiro, por exemplo, população muito maior e, condições de trabalho dos profissionais nos hospitais públicos infinitamente piores do que tenho visto em Kourou, não há atitudes como estas dos profissionais, frente a um paciente com dor. Verdadeiramente no Rio, apesar de todas as dificuldades, os profissionais são mais humanizados e solidários. Ganham pouco, trabalham mais contudo, tratam seus pacientes com mais respeito.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Lata e não barro...


Como tantas outras coisas estranhas por aqui, não entendo a opção de se usar lata ou alumínio nas coberturas de casas, lojas e prédios. Tudo é coberto por metal. Quem não tem dinheiro para pagar pelo alumínio tem que usar as telhas de lata. Em pouco tempo, com a chuva e umidade, que não são poucas por aqui, tudo fica enferrujado e feio. A paisagem geral das pequenas cidades fica ainda pior por culpa desses telhados. O curioso é que grande parte do solo da região é composto por barro vermelho. Não seria difícil e ficaria bem mais barato e ecológico investir na produção das telhas de barro. As casas agradeceriam e o visual ficaria mais bonito. Sem contar que essas telhas horrorosas de metal esquentam muito com o calor daqui, exalam um cheiro ruim e quando chove o barulho fica infernal.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Dias ruins...

Quase duas semanas de depressão, alimentando a saudade do Rio de Janeiro em fotos, principalmente das paisagens e do Rio antigo. Mas não só de lágrimas tenho vivido esses dias. Estou aos poucos me habituando com esse lugar. Não posso dizer que esteja me acostumando, para isso seria preciso muito mais tempo, mas ao menos perdendo um pouco a sensação de pavor de estar aqui. Toda mudança radical tem esses altos e baixos. Só espero não ficar mais tão deprimida, não gosto desse sentimento incapacitante que por vezes sufoca ou faz chorar, sou mais da turma do riso. Outra coisa difícil é viver sem minha turma. A falta de gente com um mínimo de idenficação pessoal, pelo menos numa primeira vista, assusta também. Sinto falta de ter com quem falar bobagens femininas e rir, ou ter apenas uma conversa de carioca. Falta também de ver a paisagem do dia-a-dia, que convenhamos, uma das mais bonitas do mundo. A orla de Icaraí em Niterói, a Guanabara, o Aterro e a enseada de Botafogo e enfim a praia de Copacabana. Sem contar o centro do Rio que adoro com os prédios históricos iluminados no início da noite. Bom, temos praia aqui também, mas não há como fazer qualquer comparação. Vou tentar procurar outras paisagens por aqui. Talvez seja de alguma valia para aliviar o aperto no peito que venho sentindo. Ainda recebo a notícia de previsão de aproximadamente 30 mil casos de gripe A, começando já no final de setembro e início de outubro, e de uma outra doença que nem sequer sei o nome, pior que dengue importada da ilha de Reunião. Estou bem mesmo...

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Guiana Francesa???

Quase um mês e ainda não consigo entender a lógica desse lugar. Se é que há alguma... O cenário não cria uma boa perspectiva de futuro próximo para Guiana, se as coisas não mudarem um pouco. Andando por Kourou, por exemplo, fica fácil perceber que o sistema mantido pelo governo francês, de compra da paz local, não ficará viável em poucos anos. A crescente inclusão de imigrantes, legais ou não, apesar da tentativa de estreitamento dessas portas de entrada, aliado ao crescimento da população jovem, sem objetivos ou preparo adequado pro futuro, serão os primeiros indicadores de problema grave num futuro próximo. Acho que cada vez mais próximo. A sociedade local está baseada apenas no poder de consumo, principalmente de bens materiais. Com uma base cultural fraca, exportaram valores ruins da sociedade americana, por exemplo. Vejo jovens despreparados, ostentando carros luxuosos, que ouvem músicas ruins e sem atividade real de trabalho, na maior parte dos casos. A crescente inclusão desses jovens de hoje na população adulta, em pouco tempo criará um grave problema de emprego. Que pelo fator histórico local, não aceitarão empregos de terceiro escalão, que sempre são delegados aos imigrantes brasileiros e haitianos. Ficará muito caro pro governo francês, manter os subsídios e incentivos sociais pra população adulta crescente. Além das questões, política e econômica, as bases sociais também entraram nessa linha tênue. Não vejo um sistema de saúde básico que se sustente com a perspectiva desse aumento populacional. São poucos profissionais na região. Não há uma preocupação na saúde preventiva e planejamento familiar. Pelo menos não vi, no pouco tempo de investigação. Observo sim, preocupação constante com às questões de segurança nacional, principalmente no setor militar, pela localização do centro espacial. E a questão dos brasileiros aqui... Isso poderá ser um problema ainda maior no futuro... Não penso ficar tanto tempo assim aqui pra ver... Só não sei se sairei a tempo...

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Imagem bonita também...


Por do sol em Kourou (07/08/09).
Foto de Cyril Regnaud

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

E lá se vai a primeira semana...

Os primeiros dias anunciavam que minha estadia por aqui seria um tanto pouco agradável. Até aterrorizante, diria. Contudo, a primeira semana se foi, os medos diminuíram e o cenário ficou menos assustador. Já consigo sair sozinha caminhando pelos arredores do apart-hotel. No final de semana fomos a Cacao, uma vila que fica à mais ou menos 120 km de Kourou. Muito simpática por sinal. É habitada por Hmong, refugiados que chegaram à Guiana na década de 70, fugidos da guerra do Vietnã. Engraçado que esses refugiados chegaram no Brasil e foram rejeitados pelo governo ditatorial da época. Hoje em Cacao, os Hmongs sobrevivem basicamente da agricultura e pesca. Eles promovem aos domingos uma feira de artesanato e culinária oriental. É impressionante como faz sucesso o lugar. Particularmente gostei, parece que a gente se transporta pra Ásia... Hoje outra experiência me surpreendeu por aqui. Saí pra caminhar um pouco e comprar umas coisinhas no mercado. Na volta errei o caminho e tive que passar por uma área que não conhecia. Primeiro vi uma pequena favela com casinhas de madeira, bem pequeninas, muitas crianças brincando na terra e muita pobreza também. Meu marido tinha me contado que havia uma favela na época que esteve em Kourou, mas que o governo local tinha retirado e construído casas populares. Pelo que percebi, eles apenas construíram casas melhores na frente e esconderam a favela atrás. Continuei caminhando, tentando achar o caminho certo pra casa, e ouvi pessoas cantando. A música vinha de uma igreja. Me aproximei, a igreja estava cheia, as pessoas cantavam e dançavam, parecia um culto africano. Era tão bonito... Me emocionei com o que vi... Pena não ter filmado...

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Dica de leitura




Aproveito os dias e me dedico mais a literatura e o francês...
Um ótimo livro que estou lendo é "O Mundo Segundo a Monsanto" da Marie-Monique Robin.

Dura realidade

O dia seguinte não pareceu tão ruim. Encerramos com um lindo por do sol na praia. Com areia marrom e água barrenta... Ah! E muitos peixes estranhos, acho que monstrinhos, na água... No terceiro dia em Kourou, acordamos cedo para ir até a Préfecture em Caiena, tinha o problema do visto pra resolver. O setor de estrangeiros no local é deplorável. Como disse meu marido, vimos o pior do terceiro mundo ali. Uma grande fila com imigrantes pobres do Brasil, Haiti, República Dominicana, Suriname e outros países da região. Duas mulheres atendiam protegidas por um vidro, e falavam em microfones. Um a um se seguia e era chamado na fila, expondo sua situação na frente de todos, sem nenhum respeito ou privacidade. Vi pessoas muito pobres, sem opção ou instrução, serem mal tratadas pelas grosseiras e desumanas atendentes. Entendo que para muitos passar por aquilo tudo significava a chance de mudar um pouco suas histórias. Mas é difícil aceitar que aquilo tudo possa ser melhor do que o que viviam antes em seus países de origem. Não sei se terão uma sorte melhor por aqui, ou serão mais explorados e mal tratados. Muitos jovens com sonho de prosperidade nas áreas de garimpo, acabam caindo na armadilha da escravidão. Pelo que percebi, muitos estavam ali com essa finalidade. Até pude ver um sujeito alto, vestido de ouro, com feições nem um pouco amigáveis, vigiando os seus prováveis "empregados". Fiquei chocada com a situação toda. Minha cabeça rodava. Sentia muito pesar por aquelas pessoas, e pelo o que os esperavam ali...
No meu caso, após longa espera, fomos atendidos pela chefe do setor, uma senhora muito simpática e prestativa que se encarregou de nos ligar quando estivesse tudo mais ou menos resolvido...

Pisando em terreno desconhecido...

Finalmente chegamos ao aeroporto de Caiena. Antes do pouso já conseguia visualizar a imensidão de floresta amazônica com pequenos sinais de civilização localizados no meio do nada. Um frio na barriga apareceu subitamente e, em cólicas retornava e retornava. No desembarque uma recepção pouco calorosa por parte da polícia local. Até que o policial que nos atendeu não foi tão duro quanto imaginávamos, para resolver o problema com o visto, chegou a quase ser simpático... Um calor indescritível com a grande umidade deixava a respiração difícil, como o efeito do interior de uma sauna a vapor. Pegamos o carro no estacionamento, que não funcionou de imediato pois a umidade tinha colado o freio de mão. Saímos de Caiena e a paisagem continuava de floresta tropical, com poucas casas na beira da estrada até Kourou. Chegando em nosso destino, fiquei meio em choque com a imagem local. Um misto de medo, surpresa, nervosismo e espanto, tomava conta de mim. Não consegui controlar os sentimentos. Me senti num pais africano, como a Guine Bissau por exemplo. Não que tenha alguma coisa contra a África, até tentei ir em missão algumas vezes para lá. Mas não esperava que as condições de Kourou fossem tão precárias... Tive uma taquicardia súbita ao sair do carro pela primeira vez. Acho que com um certo preconceito da minha parte ao associar violência a jovens pobres da raça negra e em grupo. Fruto dos vários episódios violentos presenciados e vividos por mim no Rio de Janeiro. Conversei sobre isso com meu marido para tentar tirar essa ideia ruim da cabeça. Fomos ao supermercado, tudo muito, muito caro, com data de validade vencida e qualidade duvidosa. Gastamos 100 euros em algumas coisinhas (água, massa, enlatados). O custo de vida é altíssimo por aqui. Só ganhando muito mesmo. Tudo vem da França de navio ou avião, como o local não tem agricultura e indústria desenvolvida fica totalmente dependente da importação. O pior é que tem que obedecer os critérios de importação da França, não podendo por exemplo, importar diretamente do Brasil. Resultado, produtos caros e pelo calor e umidade, aliados ao tempo de estocagem e transporte, tudo com qualidade mais ou menos. Um problema ainda maior em relação às carnes e laticínios. A carne que já é cara e não muito boa na França, fica ainda mais cara e ruim por aqui. Não sei como sobrevive quem ganha pouco... Os muitos imigrantes ilegais por exemplo...

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Entendendo melhor a Guiana...

Alors... A Guiana Francesa em 1946 deixou de ser colônia para ser considerada Departamento Ultramarinho Francês (DOM/TOM), é portanto parte integral da república francesa com participação política e econômica. Está localizada na Améria do Sul, ocupa uma superfície de 86.504 km2 e faz fronteira com Brasil e Suriname (antiga Guiana Holandesa). Tem uma constituição populacional complexa, com o poder local quase que totalmente nas mãos dos Creoles (negros e mulatos descendentes dos escravos), além do grande contingente de imigrantes negros de outras regiões do Caribe e América Central, brasileiros, chineses, índios e ameríndios, e europeus.
Durante a fase colonial com regime escravagista, foi uma região próspera agricolamente, exportadora de várias culturas para a Europa. Com a abolição em 1848, abandonou a agricultura para se dedicar quase que exclusivamente a extração mineral. Muitos imigrantes ilegais entraram na região com o sonho da riqueza no garimpo. No final da década de 60, com a criação do centro espacial de Kourou, houve injeção considerável de dinheiro na região, alavancando o crescimento local. Hoje a região apresenta grandes discrepâncias sociais. Graves problemas com imigração, exploração de mão de obra escrava nos garimpos e corrupção.
Até o momento não consegui entender bem o sistema social local...

Antes da aventura...

Sou enfermeira, funcionária pública federal e municipal na cidade do Rio de Janeiro. Casada com um engenheiro francês, vivíamos muito bem na cidade maravilhosa. No início de 2009, após ser engolido pelo sistema burocrático brasileiro e com fechamento de sua empresa, meu marido aceitou nova proposta de trabalho na Guiana Francesa para contrato de 3 anos. Iniciamos os preparativos para a nova vida na Guiana, lugar totalmente desconhecido por mim. Solicitei licença sem vencimento no serviço público. Dei entrada no pedido de visto para Guiana no consulado da França no Rio, pois apesar de ser casada com francês é necessário visto para entrar na Guiana. Em primeiro de julho viajei para França para ir em agosto de mudança para Guiana. Parecia que seria muito fácil a adaptação antes de partir para o Departamento DOM/TOM (que inclui a Guiana), os dias na França seguiam perfeitos. Verão em Paris, passeios e compras, não tinha idéia do que me esperava...rs
No sábado, dia primeiro de agosto, seguimos para o aeroporto Charles de Gaulle. Já na área de embarque para Guiana comecei a observar as pessoas que aguardavam para o mesmo voo. Fui informada na hora do embarque que meu visto estava errado. O policial verificou e liberou o embarque indicando que havia um problema no passaporte. Nove horas de voo, num avião lotado, serviço de bordo ruim, viagem cansativa e, ao chegar na Guiana, tivemos a confirmação de que o visto estava errado. Ficamos aguardando um tempo considerável até que o policial nos liberasse com a orientação que eu deveria solicitar a carte de séjour com urgência. Já sabia que não seria fácil minha vida na Guiana....

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Links importantes

Contatos

fabianaregnaud@gmail.com